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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Análise: Salt, Encontro Explosivo e a espionagem do século XXI

(este post contem spoilers do filme salt)


Espiões tem carisma, isso é inegável. Não sei como funciona a vida de espiões na vida real, e por algum motivo acho que deve ser bem mais normal do que pensa a maioria das pessoas, com muito mais papelada em cima de uma mesa dentro de um escritório e muito menos tiros e lutas em um banheiro sujo num bairro pobre de Israel.
Mas na telona espiões fazem a festa, os melhores filmes de ação que saíram esse ano tinham alguma coisa a ver com CIA, NSA ou algum tipo de organização governamental secreta (até Homem de Ferro II se inclui nessa lista, ou você acha que a S.H.I.E.L.D e a Iniciativa Vingadores são nomes de projetos de crescimento econômico?)

Dentre esses títulos os dois que mais chamam atenção são Salt e Encontro Explosivo.

Salt é de longe o mais interessante dos dois. Angelina Jolie interpreta uma agente da divisão Russa da CIA que está sendo perseguida pelos seus colegas pois eles acreditam que ela é, na verdade uma espiã russa com planos para matar o presidente dos Estados Unidos.

Que uma coisa fique clara: Salt não é bom. Na verdade é um dos grandes arrependimentos do ano (vou postar uma lista mais completa perto do final de dezembro). Como diz o slogan "Quem é Salt?" Realmente, uma pergunta nunca foi tão persistente em um filme. Salt muda drasticamente de personalidade duas vezes, sendo um total de três pessoas diferentes, e isso depois que você se acostuma com a segunda.

Deixe-me explicar: Começamos o filme pensando: "não, ela num é russa não, ela tá indo atrás do presidente pra impedir que ele morra" e quando ela chega lá, ela mata o presidente. Daí vem a reação: "ah, então ela realmente é russa, nossa por essa eu não esperava, gostei dessa mudança de atitude, bem legal, vamos ver no que dá" a partir daí o filme flui bem decente, ela mata o tal presidente da Rússia (sim, um atentado russo ao presidente da Rússia) e encontra com todos os outros Russos infiltrados nos EUA, mata um bocado de gente por terem matado seu namorado, e segue seu rumo pra matar o presidente dos EUA.

Confesso que nessa parte fui tomado por um espírito Socialista-Soviético-Revolucionário, vendo como os russos estavam bem infiltrados no governo, me fez achá-los muito carismáticos, no momento em que Salt entra na casa branca vestida de homem e sai matando todo mundo eu estava praticamente gritando "matem esses porcos capitalistas" à plenos pulmões. E quando ela finalmente chegou perto do quarto do pânico do presidente, descobrimos que um de seus amigos da CIA também era russo, o que fez meu regozijo comunista crescer ainda mais.

Mas tudo arruinou-se quando ela mudou de lado de novo, e um filme que podia ser tão bom foi para o buraco. Na verdade Salt tinha deixado seus ideais soviéticos a muito tempo, e fingiu matar o presidente para que pudesse impedir o golpe final dos russos. Mais um caso de um final que arruina tudo, ela poderia ter deixado os russos concluírem seu plano e depois matado seu amigo e se matado, na verdade esse seria um final perfeito. Mas não, ela tinha que salvar o dia, ela tinha que fazer um final feliz.



Não gosto de finais felizes.



Acho que não preciso dizer como essas mudanças de ideais prejudicam o desenvolvimento, coisa que, como nos foi ensinado por Lost, é muito importante para contar uma bela história e fazer um final fantástico. Saímos do filme ainda com aquela mesma pergunta do cartaz na mente, afinal, quem diabos é Salt?, e o que é que ela quer da vida?, o que fez ela trair as idéias que a foram alimentadas desde criança? É difícil se apegar à história de um personagem que é um mistério para todos os espectadores.

E o cliffhanger do final não ajudou.

Encontro Explosivo e Salt tem mais em comum do que somente o gênero, originalmente, Evelyn Salt deveria ser Edwin Salt, um homem, que deveria ser interpretado por Tom Cruise, mas esse recusou, justamente para fazer Encontro. Convenhamos que, essa decisão foi boa para ambas as partes, Salt ganhou muito com Angelina Jolie, na verdade ela é provavelmente o maior atrativo e melhor parte do filme, e também convence no russo, coisa que Tom Cruise não faria tão bem, e Tom Cruise se encaixa muito mais no personagem de Encontro.

Encontro Explosivo não é filme extraordinário, não tenta e nem quer revolucionar o gênero, e também não visa sequências, coisa rara hoje em dia.

Para todos os efeitos Encontro é melhor que Salt, as cenas de ação, embora bem mais "mentirosas" são belamente executadas, e o humor presente do filme me fez lembrer do ótimo Sr. & Sra. Smith.

Cruise interprete um agente renegado que roubou uma bateria capaz de produzir energia eterna para que essa não fosse vendido no mercado negro pelo seu colega e acaba se enrascando com uma bela garota (Cameron Diaz) que ele conheceu no avião. Depois disso eles se metem em muitas confusões. Parece história de filme de sessão da tarde, e talvez seja, daqui à alguns anos nós podemos ver Encontro Explosivo passar algum dia depois de Caminho Das Índias no Vale a Pena Ver de Novo, mas mesmo tendo uma história simples a mesma é executada com maestria (oposto do que acontece com Salt) e é um alívio ver um filme sem pretensões e que deseja simplesmente divertir de vez em quando.

Assistir os dois filmes na mesma semana me fez pensar sobre o rumo que foi tomado pelo cinema de espiões nessa década.

No começo dos anos 2000 a espionagem havia chegado a níveis exorbitantes. 2002 foi o ano do terrível xXx com Vin Diesel, do último 007 antes do reboot, e, ainda bem, ano do maravilhoso A Identidade Bourne.
Os espiões já estavam ficando surreais demais, James Bond estava usando anéis que quebravam vidro e dirigindo um Aston Martin que ficava invisivel. Daí veio Bourne, adaptação dos livros de Robert Ludlum, o personagem muito bem interpretado por Matt Damon não trabalhava a serviço da rainha, ele não lembrava quem era ou o que ele fazia, e foi considerado uma ameaça e perseguido por aqueles que o criaram. Ele não perseguia bandidos em um carrão esporte, ele fugia da polícia dirigindo um carrinho pelas vielas. Ele não viajava para os lugares mais belos do mundo para destruir traficantes internacionais com muitas explosões, ele fugia para Índia para se esconder.

Bourne era real, e depois deles todos os outros passaram a ser, o glamour da espionagem internacional fui substituído pela frieza e violência da realidade. "Parece que eu ligo?" disse o novo 007 quando o barman perguntou se seu martini seria batido ou mexido.

A séria Bourne (o primeiro dirigido por Doug Liman, e os seguintes por Paul Greengrass) não foi só um sucesso, ele obrigou os outros filmes à evoluir. Pode pesquisar, antes de Bourne todos os agentes era legalizados e tinham permissão para causar o caos, depois de Bourne a moda passou a ser agentes renegados, vide Salt, Encontro Explosivo, e até personagens de séries já consagradas como Jack Bauer do seriado 24 Horas, Sam Fisher dos jogos Splinter Cell e até James Bond teve seus passaportes cancelados em Quantum Of Solace.

Bourne também revolucionou em outro aspecto, que até hoje tenta ser imitado, mas sem muito êxito. Seus filmes acabaram com os extremos Muita-ação-pouco-cérebro e inteligente-mas-sem-graça. Paul Greengrass e Matt Damon provaram que para um filme ter uma ótima e intricada história não significa que esse tem que ser chato.

O que me traz de volta à discussão original desse post. Salt e Encontro Explosivo são ótimos exemplos desses dois opostos. Salt é um filme com uma ótima história porém mal executada, e Encontro Explosivo oferece entretenimento de qualidade mas com uma história muito simples.
Realmente, embora quase todos tentem, nenhum filme de espião irá chegar aos pés da série Bourne, só nos resta esperar que Paul Greengrass e Matt Damon se decidam e voltem para a série para que O Legado Bourne possa finalmente ser feito.

NOTAS:
Salt: 6,8
Encontro Explosivo: 7,7

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